(Ouça a íntegra do programa aqui)
A arte, assim como tudo no mundo, é algo que não conseguimos definir em uma só palavra, um só gesto, uma só nota ou uma só cor. Uma palavra pode ter um efeito arrasador ou delicado, nossos movimentos podem ser duros ou flexíveis, a música pode ser densa ou suave e a cor pode se tornar várias com a influência da luz. Nós também somos assim, meio macho – meio fêmea, meio anjo – meio demônio, meio sentimental – meio racional. Resumindo : nada é uno por si só e a dualidade é uma lei que permeia toda ciência, arte e filosofia.
Você deve estar se perguntando porque começar um texto com os dois lados de tudo. Bom, para falar de Dzi Croquettes não precisa de uma data ou evento especial, afinal só o fato de mudar o “fazer artístico” no Brasil já é um motivo para lembrar destes rapazes a qualquer hora. Já a dualidade foi o carro-chefe, a marca registrada destes 13 artistas multifacetados.
Na época em que nasceu o Dzi Croquettes, o Brasil estava em meio a um dos momentos mais rigorosos da ditadura militar. A mão da censura pairava sobre toda e qualquer manifestação artística, afinal a arte – além dos embates violentos entre povo e militares nas ruas do país – era uma forma de enfrentar aquele regime que foi um dos maiores vilões do país que queria de volta a sua liberdade de ser e pensar. O dançarino e coreógrafo nova-iorquino Lennie Dale já estava sacudindo os alicerces do espetáculo brasileiro com sua dança, seu estilo de cantar, suas parcerias e apresentações com diversos artistas nacionais. Elis Regina, por exemplo, deve toda sua movimentação de palco (e braços) às “dicas” de Lennie. Daí para criar um grupo que levasse para o palco a ginga brasileira com a disciplina dos ensaios da Broadway (local de onde veio Dale) foi um pulo.
O Dzi Croquettes era formado por 13 homens fortes, peludos e másculos que se vestiam como damas de cabaré, usavam maquiagens pra lá de criativas, tinham a leveza de uma bailarina russa e o swing do povo brasileiro. O Dzi levava para os palcos coreografias arrasadoras, com uma estética visual difícil de se encontrar até hoje. Salvo os shows geniais de Ney Matogrosso, um dos fãs de carteirinha dos Croquettes e altamente influenciado pelo o estilo do grupo , tanto na época dos Secos e Molhados quanto em sua carreira solo.
As músicas também eram um caso à parte nos shows. Não importava a língua ou estilo. Em inglês, português ou francês, se samba, bolero ou soul, o grupo sempre mostrava a mesma técnica e preparo físico para todos os atos dos espetáculos. Originalidade, ousadia, liberdade criativa e inventividade são só algumas palavras para descrever o trabalho do Dzi Croquettes. Essa família, como gostavam de ser chamados, elevou o fazer artístico brasileiro a um alto patamar de profissionalismo.
Do Brasil para Paris foi outro pulo, desta vez apadrinhado por Liza Minnelli, que depois de assistir um show do grupo no Brasil, se apaixonou completamente por aqueles 13 homens “talentosérrimos”. Como ela disse no documentário realizado por Tatiana Issa e Raphael Alvarez ( Dzi Croquettes – 2009) : “I can’t describe in one Word”. A temporada na Cidade Luz foi um sucesso, com direito a novos fãs como Mick Jagger, Josefine Backer e Jeane Moreau só pra citar alguns.
A volta ao Brasil foi na verdade uma reviravolta e a AIDS, algumas diferenças e o destino encerraram a jornada de um dos mais impactantes grupos brasileiros. Mas ficou a memória de um dos momentos mais vigorosos e criativos da cultura brasileira. Uma fonte inesgotável para todo o artista que busca transcender os limites da arte, da técnica, da irreverência e dos conceitos pré-estabelecidos. Como eles diziam : “Não somos homens, não somos mulheres. Somos gente como vocês.” Ou seja, eles levavam para a arte, para o palco e para a vida os dois lados de tudo.Se você quiser conhecer a fundo o Dzy Croquettes é só assistir o documentário, que está disponível no Youtube. Aliás vale à pena e muito conferir essa homenagem emocionante de Tatiana Issa ( filha do coreógrafo Américo Issa ) e Raphael Alvarez.
Aqui no Link Sonoro você confere um trecho do espetáculo em que o Dzi dá a sua cara para o soul de James Brown.
Até a próxima! 😀